A sua empresa costuma identificar “ato inseguro” como causa de um acidente? Cuidado! A gestão de seg
- Leonardo S Mendes
- 29 de abr. de 2016
- 4 min de leitura
Em várias empresas que auditei era comum ver investigações de acidentes que traziam como causa raiz o ato inseguro do funcionário. Sempre era relacionado ao não uso, ou uso incorreto do EPI, adaptação de ferramentas, distração, etc... E a solução era sempre a mesma: treinamentos e programas de conscientização. Ou seja, o problema era sempre o funcionário e a solução também era sempre focado no funcionário.
Nunca vi em nenhuma dessas investigações questionamentos sobre o motivo do funcionário ter cometido tais atos.
Assim como nenhuma ação corretiva ou preventiva atingia também supervisores e gerentes ou até mesmo diretores.
Afinal, quem manda na empresa? Onde está a hierarquia? Por que deixaram um funcionário executar suas atividades sem estar usando, ou usando de forma incorreta o EPI? Será que realmente a culpa do acidente é do acidentado ou ele é apenas a vítima de um sistema de gestão viciado e cômodo?
Mesmo as empresas que possuem uma visão mais crítica (leia-se sistemas de gestão de segurança certificados e equipes próprias de técnicos e engenheiros de segurança) também operavam com uma visão que reduz a análise do trabalho e de seus riscos à presença ou ausência de fatores de risco (exemplo: máquina desprotegida; trabalho em altura sem proteção etc.) ou ainda pelo cumprimento ou descumprimento de normas ou padrões de segurança. Essas abordagens, além de impotentes para explicar o processo causal dos acidentes, afetam negativamente a prevenção, uma vez que deixam intocados os determinantes desses eventos.
Vamos entender: Por definição, qualquer ato praticado pelo empregado, em suas sãs faculdades mentais, é um ato subordinado ao empregador mediante o contrato de trabalho. Qualquer que seja a atitude do empregado, esta se insere nos domínios do empregador que o dirige.
Vejam alguns exemplos de ato inseguro:
Ficar junto ou sob cargas suspensas;
Usar máquinas sem habilitação ou permissão;
Lubrificar, ajustar e limpar máquina em movimento;
Inutilizar dispositivos de segurança;
Tentar ganhar tempo;
Imprimir excesso de velocidade;
Improvisar ou fazer uso inadequado de ferramenta;
Não utilizar ou usar de forma incorreta o EPI;
Manipular inadequadamente produtos químicos.
E por que esses atos inseguros acontecem? Geralmente sempre em função das atitudes do empregador e seus prepostos.
Permite que o trabalhador
Consente que o trabalhador
Deixa que o trabalhador
Não adverte
Estimula a ganhar produtividade
Aproveita-se da iniciativa
Ora, admitir que o trabalhador pratique ato inseguro é, pela via direta, assumir tal ato, configurando desvio por parte do empregador e seus prepostos. Todos os itens levados a efeito pelo empregado os são por alguma razão decorrente da vontade do empregador (e seus prepostos), inclusive por falta de vigilância, negligência e ausência de gerenciamento.
Admitir o ato inseguro do empregado é dizer que o empregador não manda nele. Seria equivalente a um furto no ambiente do trabalho onde o trabalhador subtrai vários itens do estoque e a empresa não o adverte ou pune. Apenas classifica essa ocorrência de furto como ato inseguro do seu empregado. Essa comparação não é à toa. Existe conexão entre os argumentos. O empregado que comete ato inseguro, furta a si mesmo sob a autorização do empregador.
No bojo do argumento do absurdo, é inadmissível cogitar a existência do ato inseguro exatamente pela aberração da inversão dos polos, segundo o qual o empregado é quem manda, define, estabelece e orienta o empregador. Este último é mero expectador, apesar de ser o proprietário e responsável final por tudo que acontece em seus domínios.
Nessa conformação só há um único ato inseguro: aquele praticado (ação ou omissão) pelo empregador. O ambiente de trabalho pertence – é definido, explorado e negociado – ao proprietário cujas condições de operações são sempre de sua responsabilidade. Pra isso que existe a organização: assegurar recursos, meios, metas, objetivos aos desígnios e vontades dos proprietários do negócio.
Portanto agora conseguimos responder a pergunta: Será que realmente a culpa do acidente é do acidentado ou ele é apenas a vítima de um sistema de gestão viciado e cômodo?
A resposta correta é que tudo decorre do empregador! Não parece razoável imputar ao empregado vontades próprias, pois todos esses casos decorrem da vontade (ação ou omissão) manifestada pelo sistema gerencial pelo empregador engendrado. Ou seja, todos esses atos inseguros decorrem, são produzidos, permitidos, consentidos apenas, e tão somente, pelas condições (às vezes inseguras) estabelecidas pelo empregador e seus prepostos.
Logo, assumir que um acidente aconteceu por um ato inseguro é atestar a falência do sistema de gestão de segurança! Um sistema de gestão que não consegue enxergar além do chão de fábrica. Um sistema que possui processos que não permeiam, não atingem todo o organograma da empresa (seja por incompetência no seu estabelecimento e desenvolvimento, ou mesmo por coação dos empregadores para eliminarem as suas responsabilidades).
Infelizmente essa atitude, presente nas investigações de acidentes, de colocar a culpa do acidente no trabalhador, ainda está profundamente fixada na nossa cultura organizacional, trazendo como consequência uma avaliação superficial das questões de segurança e saúde. É usual as ações corretivas justificarem o treinamento realizado para seus empregados com o argumento de que o propósito é conscientizar o trabalhador para o cumprimento das normas de segurança, ou seja, treiná-los para que não cometam atos inseguros. Se o problema é o “uso inadequado”, a solução é a “conscientização”.
Ao caracterizar a questão da exposição aos riscos e suas consequências como basicamente um “problema de educação”, reduzindo-a a não observação dos “cuidados” recomendados, o que é realmente efetivado é a transferência ao trabalhador, de praticamente toda a responsabilidade pelas consequências ocorridas no âmbito de suas tarefas.
As investigações de acidentes nestes casos devem explorar aqueles itens relativos ao empregador listados acima. Ao se analisar um acidente, antes de se imputar toda a responsabilidade ao trabalhador devido a seu “descuido”, “distração”, “indisciplina”, “ignorância”, “cansaço”, “hábito”, “preconceito”, etc., deve se verificar o que realmente ocasionou tal ato e, dessa forma, chegar a um conjunto de medidas administrativas inseguras que concorreram para a ocorrência do tal ato e do respectivo acidente.
Todo ato inseguro é ocasionado por um conjunto de permissões inseguras!
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